Este blog começa com os primeiros passos de um homem cujo percurso de vida se revela numa constante aprendizagem, e que procura transmitir valores e principios através daquilo que escreve
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quinta-feira, 5 de novembro de 2020
Testemunho Inspirador
Almirante Nuno Gonçalo Vieira Matias
Nuno Gonçalo
Vieira Matias faleceu a 13 de junho; nascera em Porto de Mós, em 9 de julho de
1939. Nasceu a algumas centenas de metros da casa onde terá nascido D. Fuas
Roupinho, o primeiro Almirante Português.
Ingressou na
Escola Naval em 1958, no curso “Duarte Pacheco Pereira”, terminando em 1961.
Entre 1961 e
63, o jovem 2º Ten. Vieira Matias fez uma comissão de serviço em Angola, como
Oficial de guarnição da fragata N.R.P. VASCO DA GAMA. Nesta comissão, por diversas
vezes, guarneceu uma lancha a motor com elementos da “força de desembarque”,
patrulhando o rio Chiloango, que faz fronteira, em Cabinda.
Terminada
esta comissão, regressou à Metrópole e especializou-se em artilharia, e depois,
como fuzileiro especial.
Comandou o
Destacamento de Fuzileiros Especiais nº 13, na Guiné, entre abril de 1968 e
janeiro de 1970. A maior parte da comissão foi passada na bacia do rio Cacheu,
na base de Ganturé. Executou 35 operações e teve 32 contactos de fogo com o
inimigo. Na operação GRANDE COLHEITA, em janeiro de 1969, no Sambuiá, capturou
cerca de dez tons de armamento e munições, uma das maiores apreensões de
material na Guerra do Ultramar! O DFE nº 13 causou 83 baixas ao inimigo,
destruiu numerosos acampamentos e apreendeu ou destruiu 25 embarcações
utilizadas pelo PAIGC nas suas cambanças. Contudo, sofreram quatro
mortos e tiveram doze feridos em combate.
Em 1970 foi
nomeado para prestar serviço na Escola Naval, como Professor de Artilharia e,
em acumulação, como Diretor do Laboratório de Explosivos da Marinha. Foi nesta
situação que pela primeira vez me cruzei com o Almirante Vieira Matias, na
altura 1º Ten., sendo eu um jovem 2º Ten., Instrutor de Cálculos Náuticos.
Com a
revolução do 25 de abril de 1974 e com o regresso das unidades de fuzileiros do
Ultramar, a Força de Fuzileiros, no Alfeite, ganhou uma particular importância
político-militar. O então jovem CTen. Vieira Matias comandou-a num período
particularmente difícil, promovendo o regresso à normalidade.
Seguiu-se
uma comissão na área da Autoridade Marítima, como Capitão dos Portos de
Portimão e de Lagos. No fim da década de setenta do século passado, pouco após
o 25 de abril, não era fácil fazer cumprir a Lei no meio marítimo! Os
pescadores e os armadores eram muitas vezes instrumentalizados por partidos
políticos, e por mais de uma vez ameaçaram invadir as instalações da Capitania
do Porto.
Em 1981 o
CFrag. Vieira Matias foi nomeado Comandante da fragata N.R.P. COMANDANTE JOÃO
BELO, com a missão de levar pela primeira vez uma unidade naval daquela classe
à STANAVFORLANT. Esta força naval permanente da NATO era composta por sete ou
oito unidades do tipo fragata, uma proveniente de cada um dos países aliados aderentes.
No âmbito operacional participava em numerosos exercícios e mostrava a
solidariedade da Aliança nas escalas planeadas. A integração da fragata JOÃO BELO em 1982 na
STANAVFORLANT registou uma avaliação do Comandante da força muito positiva. Em
1983, quando a bordo da JOÃO BELO se planeava uma viagem de instrução de
cadetes com um conjunto de escalas muito apetecíveis … foi de novo necessário
integrar a STANAVFORLANT para completar o período da unidade portuguesa que lá
estava, que sofrera um acidente. Mais uma excelente avaliação do Comandante da
Força para a JOÃO BELO e para o seu Comandante!
Vieira
Matias desempenhou em seguida as exigentes funções de Chefe da Divisão de
Operações do Estado-Maior da Armada (EMA). Nesse período, meados da década de
oitenta do século passado, decorriam os estudos para a seleção de uma nova
classe de fragatas, a que viria a ser a classe VASCO DA GAMA.
Escolhido
para frequentar o curso de promoção a Oficial General, foi nomeado para
participar no Naval Command College, no Naval War College, em
Newport, Rhode Island, nos EUA, no ano letivo de 1988 / 89. Terminado o curso,
seguiu-se um período como Professor no Instituto Superior Naval de Guerra.
Promovido a
C/Alm. foi designado para o desempenho das funções de Sub-Chefe do Estado-Maior
da Armada. Neste lugar, para além da coordenação geral do EMA, teve nas mãos o dossier
da aquisição dos helicópteros que viriam a equipar a classe VASCO DA GAMA.
Não foi fácil … pois existiam pressões para se adquirir um determinado
helicóptero, que não era o da preferência da Marinha, mas, com persistência,
acabaram por se adquirir no Reino Unido cinco unidades Lynx, que foram uma
excelente escolha. A integração dos helicópteros na Marinha, a formação do
pessoal e a construção das infraestruturas da Esquadrilha de Helicópteros foram
questões muito importantes, na altura tratadas no EMA.
Em 1990
cruzo-me de novo com o Alm. Vieira Matias. Fui então designado para Comandante
do N.R.P. CORTE REAL, uma fragata da classe VASCO DA GAMA, ainda em construção.
Ao partir para a Alemanha, fui-me despedir do então Sub-CEMA. Na conversa que tivemos,
falou-me numa disposição que existe na Royal Navy, num “manual de
manobra” para cada classe de navios, onde se recolhem as especificidades de
reação às ordens para as máquinas e para o leme e à influência do vento nas
manobras. Fiquei a pensar naquela sugestão e no fim da minha comissão a bordo,
com o navegador, oficiais de quarto à ponte e engenheiros, registamos a
experiência recolhida. O “manual de manobra” das fragatas da Classe VASCO DA
GAMA suscitou interesse e foi replicado nas outras classes de navios. Nunca
comentei este assunto com Vieira Matias, mas a génese destes documentos na
nossa Marinha está na sugestão que então deu.
Promovido a
V/Alm., Vieira Matias foi designado Superintendente dos Serviços do Material,
funções em que tutelava as Direções de Navios, Abastecimento, Infraestruturas e
Transportes e na altura, também o Arsenal do Alfeite.
Em 1995 foi
nomeado para as funções de Comandante Naval, responsável pela atividade
operacional da Armada, e, em acumulação, Comandante-em-Chefe da Área Ibero
Atlântica, o comando NATO CINCIBERLANT então instalado em Oeiras.
Nesta
ocasião a minha carreira cruza-se de novo com a do Alm. Vieira Matias. Em 1994
fui designado Diretor do Centro de Instrução de Tática Naval, na direta
dependência do Comandante Naval. Numa das reuniões que tinha com os Diretores
de entidades similares das Marinhas NATO, foi-nos apresentado o projeto de um
“estágio para Comandantes”, com a duração de 3 semanas. Achei a ideia
interessante, e elaborei o projeto de um “estágio para Comandantes e
Imediatos”, adaptado às nossas realidades e com a duração de 2 semanas. Fiz um
contacto informal com a área do pessoal; acharam a ideia inviável, por falta de
Oficiais disponíveis para o frequentar. Poucas semanas depois deste meu revés,
assume o Alm. Vieira Matias as funções de Comandante Naval. Na primeira reunião
que tivemos referiu-me que como Comandante de navio tinha sentido a necessidade
de um estágio prévio, e disse-me para estudar essa questão. Referi-lhe que o
assunto estava estudado e levei-lhe o programa do estágio, que mereceu uma
rápida aprovação. E dois meses depois, aquilo que não era exequível … estava a
começar, com a presença do Comandante Naval na sessão de abertura.
Em fins de
1996 fui nomeado para as funções de Chefe do Estado-Maior do Comando Naval, e
nesse cargo trabalhei em contacto direto com o Alm. Vieira Matias. Guardo
excelentes recordações do seu estilo de liderança. Frontal, dizia claramente o
que queria; simultaneamente, era acessível e aberto a outros pontos de vista e
deixava o seu Estado-Maior trabalhar à vontade. Estive com ele pouco tempo no
Comando Naval, apenas uns seis meses, pois em abril de 1997 foi designado para
o desempenho das funções de Chefe do Estado-Maior da Armada.
O Alm.
Vieira Matias foi Comandante da Marinha durante cinco anos, até meados de 2002.
Foi um período difícil, trabalhou com quatro ou cinco Ministros da Defesa, com
diferentes personalidades, e sempre com significativas dificuldades
financeiras. Não foi fácil manter à tona de água os programas de construção dos
novos patrulhas oceânicos, e especialmente, o programa de renovação da
capacidade submarina, torpedeado de diversos quadrantes. Contudo, ambos os
programas se mantiveram, tendo os contratos de construção sido assinados
posteriormente, já com outro CEMA.
Permitam-me
recordar um episódio em particular: a operação CROCODILO. Em 7 de junho de 1998,
desencadeia-se uma crise político-militar na Guiné-Bissau, tendo os revoltosos
ocupado o aeroporto. O Alm. Vieira Matias sugere então aos “decisores políticos”
o envio a Bissau de uma força naval para recolher as centenas de portugueses
que lá se encontravam, mas nenhuma decisão é tomada. Entretanto decorrem as
cerimónias do 10 de junho que naquele ano incluíam uma parada naval
comemorativa dos 500 anos da chegada de Vasco da Gama a Calecute, em que
participavam unidades navais de Marinhas amigas. Com o tempo a passar e a
situação na Guiné a agravar-se, a Marinha toma a decisão de mandar sair uma
força naval para “exercícios”. E assim no dia seguinte ao da parada naval,
largaram quatro navios, a fragata VASCO DA GAMA com dois Lynx, duas corvetas e
o reabastecedor BÉRRIO, trazendo embarcados equipas de fuzileiros,
mergulhadores, uma equipa médico-cirúrgica e um estado-maior operacional. No
dia 13 de junho, os “decisores políticos” reconsideraram e aproveitaram esta
força naval, então já a sul da Madeira, que seguiu para a Guiné-Bissau, onde
recuperou 1.237 refugiados, de 33 nacionalidades!
A carreira
do Alm. Vieira Matias na Marinha foi muito diversificada, pois comandou um
Destacamento de Fuzileiros Especiais em combate e uma fragata em exercícios
internacionais, foi Capitão de Porto e Oficial de estado-maior. Pelo seu
conjunto de qualidades pessoais e profissionais, e pelo seu sempre elevado
desempenho, granjeou muito prestígio. Era então uma referência para os Oficiais
mais novos, no número dos quais me incluía.
Em 3 de
agosto de 2002, o Alm. Vieira Matias termina o seu mandato como CEMA e passou à
situação de reserva. Iniciou então uma nova carreira, agora na vida civil, na
Universidade, na Cultura e como “doutrinador de uma nova maritimidade para
Portugal”.
Integrou
então o European Security Research Board, da União Europeia, e foi
membro ativo da Comissão Estratégica dos Oceanos, onde representou o Ministério
da Defesa.
Em 2003
participou no Congresso da Figueira da Foz da Associação dos Oficiais da
Reserva Naval (AORN), onde foi decidido divulgar a importância estratégica do
mar para Portugal. Integrou com o Prof. Doutor Ernâni Lopes e membros da AORN,
um gabinete, que chefiou, e que promoveu ao longo de alguns anos conferências
sobre a importância do mar em diversas cidades. Participou com Ernâni Lopes nos
trabalhos que originaram a obra “O Hypercluster do Mar”, que esteve na origem
do “Forum Oceano”.
Desde
outubro de 2004 colaborou com o IEP – Instituto de Estudos Políticos da
Universidade Católica onde lecionou cadeiras e proferiu conferências. De
assinalar a direção científica, em colaboração com o Prof. Doutor Adriano
Moreira, de quatro edições do “Programa Avançado em Estudos do Mar”. Lecionou
também, na Universidade Católica de Moçambique.
Foi
Presidente da Academia de Marinha de 2009 a 2016, Vice-Presidente da Sociedade
de Geografia, Presidente do Conselho Supremo da Liga dos Combatentes, Vogal do
Conselho das Ordens Honorificas, membro do Conselho Nacional de Educação,
Presidente da Liga dos Amigos do Jardim Botânico e Administrador da EDISOFT. O
Alm. Vieira Matias foi membro das Academias das Ciências e da História, sócio
honorário da AORN, Confrade Honorário da Confraria Marítima e da Cofradia
Europea de la Vela, membro do Conselho de Honra do ISCSP e Curador da
Fundação Oceano Azul. Foi Presidente Emérito do Conselho Supremo da Sociedade
Histórica da Independência de Portugal.
Em síntese:
Foi um chefe de família exemplar; com sua
mulher, a Senhora Dona Maria Francisca, tiveram dois filhos e três netos.
Foi um Homem
de valores, de princípios e de causas.
Foi um Homem
de Cultura, um Académico.
Foi um
líder, um chefe, um Comandante.
Foi um
marinheiro, um fuzileiro, um militar e um combatente.
O Almirante
Nuno Gonçalo Vieira Matias foi um verdadeiro Patriota, foi um Grande Português!
Alexandre da Fonseca
(12257)
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